ENTREVISTA | Um olhar sobre as pequenas livrarias independentes

A crise das livrarias tem sido assunto de grande repercussão desde que os donos de grandes redes como Saraiva e Cultura manifestaram temor quanto ao futuro de suas lojas físicas. Apesar da situação financeira do mercado editorial apresentar resultados abaixo das expectativas há alguns anos, o ano passado foi certamente o que mais deixou claro os transtornos enfrentados nesse meio.

Atualmente há diversos textos e vídeos que explicam sobre os problemas financeiros das grandes livrarias, assim como também os que apontam a necessidade de mudança nos hábitos do consumidor de livros (temos um texto sobre isso aqui). Entretanto, poucos ainda falaram sobre como essa crise editorial tem sido vivenciada pelas pequenas livrarias.

O processo de negociação de livros estabelecido entre livrarias e editoras sofre muitas alterações quando comparamos as grandes redes nacionais e as pequenas livrarias, que constantemente passam por dificuldades ainda maiores. Para entender a forma como isso ocorre, acompanhe a entrevista realizada com Gabriel Soares, responsável pela livraria Moscoffee (antiga Moscou), localizada na cidade paulista de Birigui. 

Foto: Andre Stefano

Há quanto tempo existe a Moscoffee e como ela foi criada?
Primeiro inauguramos a Livraria Moscou em 2008, um local que só vendia livros, nada de objetos de papelaria e afins, ou seja, era uma livraria tradicional e o único produto vendido era o livro. Depois inauguramos, num espaço próximo (dentro da mesma galeria), o café Moscoffee, que visava atender um pedido dos clientes da livraria que queriam um espaço para tomar café e ler os livros que compravam. Com o avanço da crise econômica e o baixo volume de vendas dos livros, optamos por integrar o espaço do café com a livraria e transformar o café em um ambiente híbrido.

Ao longo desse tempo, quais foram as mudanças já feitas para atender o público com relação a parte de livraria?
        Chegamos a realizar uma ampliação da livraria na época que ainda não existia o café, mas o público pedia um espaço para reuniões, sofás, cafés, e por isso pensamos em criar a Moscoffee.


Como as pequenas livrarias, em especial a Moscoffee, estão lidando com a crise no mercado editorial?
A pequena livraria sempre sofreu com o monopólio das grandes redes que recebem primeiro os lançamentos e concentram as consignações das editoras. A consignação nada mais é que o envio dos lançamentos pelas editoras para as grandes redes. A livraria recebe os livros consignados e no final do mês faz um balanço do que foi vendido, depois envia o relatório das vendas para a editora faturar. Desse modo, a livraria só paga o que foi vendido e com isso pode manter o estoque da loja cheio sem precisar comprar todos os livros antecipadamente. A crise atual do mercado editorial gerou o calote por parte das grandes redes em relação a essas consignações. O problema para a livraria pequena é que as editoras passaram a privilegiar somente as grandes redes e deixaram de consignar para as livrarias pequenas, pelo menor volume de vendas. Desse jeito se formou a concentração nas grandes redes e as livrarias pequenas, sem dinheiro para comprar os livros com antecipação, não conseguem criar estoque para exposição na loja e acabam sendo obrigadas a fechar as portas.

      Muita gente compra pela internet porque é mais barato e mais rápido do que comprar ou encomendar um livro numa livraria pequena, isso existe porque as editoras concentram o envio consignado as essas editoras, e oferecem uma margem maior de desconto para elas, por isso os grandes sites conseguem vender mais barato. A única coisa que sobra para as livrarias pequenas em relação a disputa com o online é o prazer do passeio em uma livraria, ou seja, a experiência que a visita a uma livraria proporciona ao cliente. Essa experiência corre sério risco de extinção no Brasil.


Como você observa o impacto das compras de livros online em relação ao público que compra livros no estabelecimento?
O online tem prioridade na relação com as editoras, porque elas não precisam nem formar um estoque. O estoque fica nas próprias editoras, na maioria dos casos. O cliente realiza a compra no site, o site comunica a editora que fatura o livro e manda para o site, e o site repassa para o cliente. O site funciona como uma espécie de intermediário entre o cliente final e a editora. O impacto é causado pela centralização que as editoras fazem privilegiando o online e as grandes redes, e sufocando as pequenas livrarias.

Na sua perspectiva, manter uma livraria em uma cidade do interior de São Paulo apresenta mais vantagens ou dificuldades?
      Manter uma livraria independente, ou seja, fora do circuito das grandes redes, é impossível, seja no interior ou nas capitais, justamente porque a concorrência é desleal, o desconto é maior para as grandes redes, que por sua vez podem repassar preços bem menores, e além disso o próprio material (livro) é repassado quase que somente para as grandes redes, sobrando para a livraria pequena a opção de compra antecipada, e muitas vezes só depois que o livro lançado já rodou as grandes redes. Enfim, por isso a livraria independente praticamente não existe mais no Brasil, as lojas acabam colocando outros produtos para compensar. O que mantém uma loja é o café, os brinquedos, a papelaria, enfim, produtos cujo fornecimento não vem das editoras. Ninguém mais consegue viver só vendendo livros hoje no Brasil, nem as grandes redes.


Comparado aos demais anos de existência da Moscoffee, como pode ser classificado o ano de 2018 no quesito de vendas de livros?
Pior em relação a todos os últimos anos, principalmente pelo momento distópico político que vivemos.

Gostaria de acrescentar alguma coisa?
Ter uma livraria é um luxo, ou seja, é uma atividade que não gera lucro, custa caro e tem valor unicamente estético.

       Soares sabe que os verdadeiros consumidores de livros no Brasil, se pudessem, comprariam mais em livrarias físicas devido à experiência única que elas oferecem. Nos dias atuais, fazer com que as livrarias independentes também se mantenham vivas é um desafio ainda maior para os que valorizam a leitura.

20 comentários:

  1. Ele tem razão. Não vale a pena. E quando as pessoas reclamam que não tem é porque elas querem somente tem um lugar para ír tomar um café e olhar livros e não comprar eles. Mas esta questão de consignado o calote foi enorme mesmo. Eu não deixo de comprar livros, mas também acho complicado pagar muito caro neles, mas sou totalmente contra a pirataria. Ótima reportagem!

    ResponderExcluir
  2. Gente, que entrevista perfeita, parabéns!
    Eu trabalho na área literária e sei bem o que é o sofrimentos dos pequenos autores/editores e editoras também, não é facil escrever e vender no Brasil, como ele disse, as grandes redes praticamente ficam com tudo engolindo as pequenas empresas, isso sem contar no quanto autores e editoras iniciantes ainda sofrem também com a questão do plágio né?

    Parabéns mais uma vez pela entrevista.

    www.fuxicoserabiscos.com.br

    ResponderExcluir
  3. Oiii,

    Adorei a entrevista! Infelizmente nossa realidade é bem crua assim mesmo, as pequenas livrarias lucram com os demais espaços que elas oferecem e não essencialmente com os livros, porque o produto chega tão caro na mão do consumidor final que nós acabamos não comprando mesmo. A realidade editorial tá bem complicada mesmo, mas agora só pra torcer para as coisas melhorarem e não deixarmos os hábitos e gostos por leituras e passeios em livrarias morrerem.

    Beijinhos...
    http://www.paraisoliterario.com

    ResponderExcluir
  4. uau, obrigada por trazer essa entrevista!
    é triste essa crise que estamos enfrentando, ler livro ultimamente parece realmente um luxo.
    vou divulgar seu post, precisamos abrir nossos olhos!

    Virando Amor

    ResponderExcluir
  5. Acho que todos sobrem com os monopólio, principalmente os leitores neste caso de livrarias e editoras. Por isso entendo a preocupação com a extinção dessas pequenas livrarias e realmente a cada dia que passo optamos mais por compras pela internet,mas é como eu mencionei, o grande problema está no monopolio, realmente é uma concorrencia desleal.
    Achei a Moscoffee linda e adoraria passar um tarde nela, mas é exatamente pelo que foi dito na entrevista: a experiência que a visita proporcionaria, uma pena!

    Abraços.

    ResponderExcluir
  6. Que post maravilhoso! uma entrevista que é para refletir.
    Com as crises entre o mundo editorial, é muito mais barato comprar um e-book do que dar quase 10 vezes mais em um livro físico.Tenho certeza que um leitor de verdade se podesse teria uma biblioteca em cada casa.

    ResponderExcluir
  7. Olá!
    Adorei sua postagem.
    Na minha cidade não tem livraria e a mais próxima fica bem distante então quando estou perto de alguma gosto de comprar algum livro, porém tem sido mais fácil comprar pela internet.
    Com essa crise também está se tornando difícil comprar livros em lançamento, muitos estão com o preço lá nas alturas e fica complicado comprar assim, então aproveito promoções, ou então uso recursos como a compra de ebooks em promoção na Amazon e o Kindle Unlimited.
    Beijos!

    Camila de Moraes

    ResponderExcluir
  8. Uau... Adorei essa entrevista.
    Realmente o Gabriel sabe do que está falando.
    Essa crise do mercado editorial me corta o coração!!
    beijos
    Camis - blog Leitora Compulsiva

    ResponderExcluir
  9. Muito boa a entrevista, retrata muito bem a realidade de uma livraria.
    Eu sou uma das pessoas que só compra online, às vezes me sinto culpada, porém é a forma mais prática e barata.

    ResponderExcluir
  10. Oi Jéssica!
    Adorei a entrevista com o Gabriel. Estava curiosa para saber como estava a situação para as pequenas livrarias independentes no meio desta confusão toda com a Saraiva e a Cultura.
    Uma pena que aparantemente isto tudo que aconteceu afetou também as livrarias pequenas e tiveram que se adptar. Achei muito legal adptarem o lugar com o café e local para o pessoal se reunir, adoro este tipo de ambiente.
    Se não fosse tão longe eu com certeza faria uma visita. Espero que as editoras passem a valorizar mais este tipo de lugar e incentivem as pessoas a realizar suas comprar por lá.
    Abraços

    FLeituras

    ResponderExcluir
  11. Eu acho tão lindo essas livrarias independentes e a forma como elas acham pra continuar mesmo em meio a crise, que quando eu me deparei com essa entrevista eu logo fiquei animada de poder conhecer um pouco mais! Aqui onde eu moro só tem as grandes livrarias mesmo, e com toda a situação anda bem complicado! Vamos rezar e torcer para o melhor, afinal livrarias são amor <3

    ResponderExcluir
  12. Eu não tenho muita simpatia com pequenas livrarias porque minhas experiências foram péssimas. Então digo que as que eu conheci não sabem o que é respeitar um cliente. Em especial uma que quando eu passo em frente viro a cara de tanta raiva. Essa livraria além da dona olhar sempre para os clientes com a cara fechada e te analisar da cabeça aos pés antes de buscar informações sobre o livro que você procura no computador, vende os livros bem acima do preço de capa. Muito mais caros. E quando eu reclamei a desculpa dela foi que é uma livraria independente e não pode vender pelo mesmo preço que as grandes livrarias. Sendo que o preço dos livros era bem acima do preço de capa!!! Por situações assim que nem entro mais numa livraria independente. E como consumidora é meu direito frequentar as livrarias que eu quiser.

    Mas achei interessante a entrevista e os pontos abordados. Só penso que com essa crise das livrarias as pessoas estão se concentrando muito nas supostas vítimas (livrarias e editoras) e não na grande questão do que leva os consumidores a optarem por comprar online. Quais são todos os fatores. E que são os leitores os maiores prejudicados.

    ResponderExcluir
  13. Ola! Que entrevista incrivel! Meus sinceros parabens!!!
    Essa crise no mercado editorial é uma lástima e está a cada dia que passa ficando mais desesperadora... espero que de alguma maneira isso mude para que uma livraria deixe de ser luxo e passe a ser um lazer

    beijos

    ResponderExcluir
  14. Oi, tudo bem?
    Amei a entrevista! Eu vi muitos posts falando sobre a Saraiva e a Cultura, mas é muito importante destacar as pequenas livrarias, que enfrentam muito mais obstáculos. É muito triste ver o que está acontecendo com essas livrarias, porque realmente não tem nada melhor do que ir na loja física, ver os livros em exposição, descobrir novos títulos, etc. Infelizmente, os livros ainda são caros para o poder de consumo de grande parte da população e as pessoas acabam recorrendo mesmo às lojas online.
    Acredito que são várias as causas para essa crise do mercado editorial, mas torço muito para que com o tempo ela passe e essas livrarias consigam voltar a se firmar. Aliás, não posso deixar de comentar que, só pelas fotos, eu já queria morar nessa livraria rsrsrs
    Beijos!

    ResponderExcluir
  15. ooi tudo bem flor ?
    é minha primeira vez visitando o seu cantinho aqui e adorei ler o seu artigo eu confesso que nunca cheguei a ir em uma livraria independente assim porque aonde eu moro nao tem mais acredita que é o meu sonho ter uma assim é tão triste ver que elas estão sumindo eu artigo está muito bem trabalhado parabens
    Coisas da Bueno por Bruna Bueno

    ResponderExcluir
  16. Adorei a entrevista e a perspectiva de quem tem um negócio sabendo que não gera lucro... Realmente a conclusão final é muito pertinente: é um luxo. Ainda assim, amei as fotos e queria conhecer o espaço.
    Beijos

    ResponderExcluir
  17. Olá,
    Gostei da entrevista. É muito interessante saber como funciona uma livraria tradicional e adorei a forma como eles fizeram, uma ideia genial.
    Fiquei interessada em conhecer

    ResponderExcluir
  18. Olá Jéssica!!!
    Eu entendo toda essa crise porque estou acompanhando desde o início e imagino como isso deve tá afetando as pequenas livrarias, e gostei que vocês puderam trazer isso por blog.
    O problema pra mim é que só posso comprar online, porque a livraria mais próxima daqui pra mim tem que descer a serra que eu moro e fica a tipo 3h e se não 4h já que é em outra cidade.
    Eu amo livrarias físicas se pudesse passava o dia nelas é por isso que quando me deparo com uma é minha felicidade e uma penca de livros pra trazer rsrsrs
    Mesmo assim espero que essa crise seja superada.

    lereliterario.blogspot.com

    ResponderExcluir
  19. Olá, tudo bem Jéssica?

    Essa crise no mercado editorial vem de alguns anos, mas no último ano que a bomba estorou de vez. Eu até gosto de ir em livrarias físicas, dar uma passada, mas raramente eu contro algum livros nela por causa do preço, pois na internet é normalmente uns 30% mais barato. Fico na torcida para que as pequenas livrarias e editoras consigam superar essa crise!
    Abraço!

    ResponderExcluir
  20. Li vários textos e reportagens sobre a crise no mercado editorial e realmente dá para notar que pequenas livrarias são as que mais sofrem. Infelizmente são poucas pessoas que dão valor aos livros e ainda mais as livrarias, o que dificulta demais esse trabalho. Acho que todo mercado precisa de uma grande reestruturação, porque senão a realidade vai ser o fechamento de mais e mais livrarias.

    Beijos, Gabi
    Reino da Loucura | Instagram

    ResponderExcluir