Diante
da proposta do Setembro Amarelo como o mês de prevenção ao suicídio, é
relevante que esse tema, considerado tabu por muitos, passe a ser mais
discutido. Este livro é uma boa alternativa para lidar com o assunto, mesmo
que, a meu ver, ele faça uso de muitas metáforas. Este é um texto de análise
dessas metáforas, portanto apresentará alguns SPOILERS sobre a obra.
“A Menina Submersa – Memórias” conta a
história de India, uma jovem esquizofrênica dona de um triste passado. Sua mãe
e sua avó cometeram suicídio após muitos anos lidando com a esquizofrenia. Esse
fato sempre ficou marcado em sua memória. Além das lembranças das duas
mulheres, India também tem lembranças de Abalyn, uma ex-namorada a quem amava
muito.
No
entanto, nenhuma lembrança é mais forte ou confusa para ela do que as
lembranças que tem de Eva Canning, uma mulher que apareceu misteriosamente em
sua vida e a deixou obcecada. Ao longo da narrativa, India tenta relatar as
lembranças com Eva e compreender tudo o que ela significa. A grande dúvida da
protagonista é: Eva é uma sereia ou um lobo?
Por apresentar uma personagem esquizofrênica, observamos que a autora, Caitlin
Kiernan, optou por fazer uso de uma narrativa não-linear que é contada em
estilo de diário, mas que mescla contos e anotações feitas por India conforme elas
surgiam em seu cotidiano. Gostei muito desse tipo de texto, mas também é algo
que imagino que não agrade a todos os leitores.
Acredito
que o que chama a atenção de muitos durante a narrativa de India é a forma
como ela insere elementos fantásticos como fantasmas, sereias e lobisomens na história de modo que o leitor se sinta instigado a saber se ela está
falando das criaturas em sentido literal ou metafórico. Penso que o livro tenha sido escrito com
esse propósito. Desta forma, os leitores podem criar perspectivas e nenhuma delas se torna mais ou menos válida.
Portanto,
se você já leu o livro, ainda é possível que o interprete de outra maneira. Não
afirmo que esse ponto de vista é o único aceitável. Essa interpretação
consiste em uma análise dos três principais elementos fantásticos que surgem na
história, para a partir deles, observar o significado.
Fantasmas
Ao
falar sobre escrever uma história de fantasmas, India provoca a dúvida sobre os
fantasmas serem literais ou uma metáfora que se refere às lembranças das
mulheres importantes em sua vida. Acredito mais na possibilidade da metáfora,
porém referente a um conceito específico. Quando India fala sobre fantasma,
acredito que ela esteja falando sobre a ideia do suicídio.
Essa
perspectiva parece clara quando observamos que todas as coisas que cercam India
carregam consigo esse tema. Há o suicídio da mãe e da avó da protagonista, sua
fixação pela suicida L’Inconnue de La Seine, isso sem mencionar seu interesse
na floresta dos suicídios Aokigahara e sua própria tentativa de suicídio. Eva
Canning e as ligações da personagem com uma seita suicida seriam apenas mais
alguns sinais sobre o “fantasma” que persegue India.
Sereias
Para
interpretar a forma como India enxerga as sereias, podemos observar a partir de
sua afirmação, quando a personagem diz que, desde criança, sua história
favorita sempre foi “A Pequena Sereia”. Isso demonstra que a protagonista
atribui um sentido positivo às sereias, mesmo diante dos diversos mistérios que
envolvem essas criaturas.
Portanto,
mesmo pensando em sereias como “coisas” enigmáticas e monstros que arrastam as
pessoas para o fundo do mar, ela se encanta por elas. Desta forma, também
encantada pela “sereia” Eva Canning, como poderia achar que Eva está fazendo
algo além de sua natureza quando entra na água do mar? Usar o termo “sereia” é a
maneira de India justificar seu desejo de se deixar conduzir por Eva sem pensar
que estivesse errada.
Lobisomens
Por
temer a história de Chapeuzinho Vermelho, India diz não gostar de lobos. Esse
medo relacionado a lobos e lobisomens é refletido em diversos momentos, mas
principalmente quando a personagem menciona o quadro Fecunda Ratis, quando fala
sobre o assassinato da Dália Negra (que lhe parece ter sido causado por algo
como uma fera) e quando fala sobre a obra O Sorriso do Lobisomem.
Portanto,
é possível afirmar que India tem uma visão negativa sobre lobos. Logo, quando
imagina que Eva Canning poderia ser um deles, vemos que a protagonista observa
na mulher algo de ruim, agressivo e perigoso. Desta forma, enxergar Eva como um
lobo ou uma sereia, pela perspectiva de India, seriam duas visões opostas: temor
e encantamento.
A
partir destes três elementos, o significado geral expresso pelas metáforas é
que esta é uma história cujo tema central é o suicídio. Nela há uma garota que
enfrenta uma doença psicológica que a faz enxergar essa possibilidade de forma
aceitável ou inaceitável depois que conhece uma mulher chamada Eva Canning, que
é a própria personificação da ideia suicida.
Por
se tratar de um tema pesado, achei maravilhoso o uso de metáforas feito pela
autora. Não houve banalização do tema, deixando claro que esse pensamento é
consequência de uma doença em nível muito avançado, que se mostra muitas vezes
fora de controle em India. O leitor é capaz de ver o quanto a personagem parece
confusa a todo momento.
Acho
que Kiernan fez um ótimo trabalho citando sobre a preocupação de India em fazer
com que seus textos destrutivos não fossem disseminados para os outros. Penso que
a autora usou esse recurso para mostrar que seu livro também não está aqui para
ser um estímulo, mas para ilustrar o nível de desespero de uma pessoa que precisa
de tratamento ao considerar coisas como o suicídio.
Mostrar
a importância que Abalyn e a psiquiatra tiveram na recuperação de India foi
fundamental para tornar mais visível o quão necessário é que as pessoas se
disponham a ouvir aqueles que passam por momentos difíceis. Então se conhece
alguém em situação semelhante, seja amigável e incentive essa pessoa a buscar
ajuda.