OSCAR 2019 | O afrofuturismo em “Pantera Negra”

Hoje é dia de continuar falando sobre os indicados às principais categorias do Oscar 2019 e o filme escolhido da vez é provavelmente um dos mais populares entre os concorrentes. Pantera Negra foi indicado em sete categorias: filme, canção original, design de produção, figurino, mixagem de som, edição de som e trilha sonora.

A indicação na categoria de melhor filme representa um marco importante na história do cinema, pois nenhum outro filme de super-heróis teve a chance de disputar nessa categoria do Oscar. De fato Pantera Negra apresenta alguns diferenciais entre os filmes de heróis, e ao assistir ao longa-metragem, todas as minhas expectativas sobre ele foram superadas.

      O filme conta a história de Wakanda, uma terra fictícia localizada no continente africano que foi atingida por um meteoro composto de vibranium, elemento considerado o mais valioso entre os conhecidos da espécie humana. Cinco tribos se desenvolveram na região, entre as quais quatro delas utilizavam o vibranium para a sua sobrevivência. 

Esse material permitiu que Wakanda se desenvolvesse muito, o que fez com que se tornasse o país mais tecnológico do mundo. Porém, temendo que estrangeiros descobrissem sua fonte de energia, uma barreira foi construída em torno do território, fazendo com que os indivíduos que estivessem do lado de fora tivessem uma visão diferente da forma como o país é composto.

A partir disso, observamos a morte do rei de Wakanda, T’Chaka (presente em Capitão América: Guerra Civil), e como isso fez com que o reinado de seu filho, T’Challa, se iniciasse. O destino de T’Challa não é apenas ser o rei das cinco tribos de Wakanda, mas também se tornar o Pantera Negra, um herói que irá protegê-los. Entretanto, T’Challa tem alguns inimigos, principalmente entre aqueles que querem invadir Wakanda.

      De forma geral, é um filme que traz os elementos de super-heróis esperados, tais como muitas cenas de ação e alguns momentos de humor. No entanto, Pantera Negra também nos apresenta discussões de temas importantes, e acredito que eles certamente foram o destaque que fizeram com que o longa-metragem fosse indicado à categoria de melhor filme. 

Entre esses temas podemos ressaltar a questão da apropriação cultural, muito presente no discurso de Erik Killmonger, o principal vilão do filme. Aliás, Killmonger é um diferencial como personagem, pois é possível que não o vejamos apenas como um vilão cruel, mas também sejamos capazes de nos colocar no lugar dele e entender as razões que o levam a agir da forma como faz ao longo da história.

Além disso, o filme também aborda a temática da marginalização dos negros ao redor do mundo, traz um elenco composto por grande parte de atores negros de sucesso e dá destaque às personagens femininas, que são fortes e desempenham papéis tão importantes quanto o do protagonista. A produção é certamente icônica pela representatividade, mas gostaria de analisar também uma questão que me chamou bastante a atenção nela: o afrofuturismo.

      A primeira vez que ouvi falar em afrofuturismo faz menos de um mês, por isso não posso dizer que eu seja especialista no tema, mas tentarei explicar esse conceito que conheci a partir de uma entrevista de Fábio Kabral, escritor nacional de literatura fantástica e ficção científica. De início, achei que o termo tinha sido criado por ele, mas logo descobri que é um conceito existente desde a década de 1960. Sendo assim, acho que é o momento de falarmos um pouco sobre ele.

O afrofuturismo é uma manifestação artística que se expressa em muitos meios, tais como a literatura, o cinema, a música, a moda e diversos outros espaços. Enquanto o futurismo busca libertar o ser humano de seu passado, o levando a um mundo de possibilidades tecnológicas, o afrofuturismo espera uma junção entre as origens africanas com os aparatos tecnológicos.

Isso é algo bastante claro no filme Pantera Negra, onde podemos ver roupas e rituais fortemente ligados às tradições tribais africanas ao mesmo tempo em que observamos uma sociedade extremamente futurista. Shuri, a irmã de T’Challa, pode ilustrar isso ao desenvolver aparatos tecnológicos sem precisar abrir mão de acessórios que a conectam com sua ancestralidade.

      Durante a década de 1960, o afrofuturismo começou a dar seus primeiros passos, sendo apoiado fortemente pela geração beat, que abraçava ritmos afro-americanos. Entretanto, foi apenas na década de 1990 que surgiu o primeiro estudo sobre o tema, realizado pelo escritor americano Mark Dery e intitulado Black To The Future: Ficção Científica e Cybercultura do Século XX a Serviço de Uma Apropriação Imaginária da Experiência e da Identidade Negra. 

A partir desse estudo foi possível classificar o afrofuturismo como um estilo que faz uso de referências ao primitivo, à mitologia e ao misticismo africano em junção com acessórios que remetem à ficção científica. Podemos ver esse visual manifestado na cultura pop por meio de nomes como o da escritora Octavia Butler, do guitarrista Jimi Hendrix e da cantora Janelle Monaé. 

Entretanto, é possível dizer que o filme Pantera Negra é o ícone que traz mais elementos da estética afrofuturista na atualidade, e graças a ele esse tema está começando a ser mais difundido dentro da ficção científica. Se você se interessa pelo assunto, indico que confira o trabalho de Fábio Kabral, que me trouxe muitos esclarecimentos sobre isso.

      Além disso, não deixe de assistir Pantera Negra, um filme que não estabeleceu barreiras entre o passado e futuro do povo negro, pois construiu pontes capazes de conectá-los. Veja o trailer: